EMBRIOTOXICIDADE E OS EFEITOS COLATERAIS DA TALIDOMIDA
Por Jhonata Rodrigues - abril 24, 2020
A náusea repentina, (também denominada de enjoo) é um dos sinais mais evidentes durante as primeiras semanas da gestação humana. Este sinal pode perdurar durante toda gestação, ser mais intenso ou ameno e até mesmo nunca aparecer. Todas as condições ditas anteriormente dependem de diversos fatores da gestante como a genética, condições psicológicas, patologias antecedentes, e estado social.
Na década de 1950, na Alemanha, a indústria farmacêutica desenvolveu um fármaco com função sedativa e hipnótica, nascendo assim a Talidomida. Na mesma época, perceberam que a Talidomida aliviava rapidamente as náuseas matinais. Esse efeito colateral fez com que o fármaco ganhasse fama mundial e posteriormente passou a ser potencialmente produzido em vários países em todo o mundo.
A talidomida (C3H10N2O4) é um fármaco produzido a partir dos isômeros S-talidomida e R-talidomida (figura 1). Para comprovar a eficácia do fármaco, os primeiros testes foram realizados em ratos e não apresentaram nenhum efeito colateral até mesmo sendo administrado em altas doses, o que foi considerado um sucesso.Figura 1: Isômeros que compõem a Talidomida |
Até que no início da década de 1960, diversos países relataram casos de crianças nascidas faltando membros e com diversas deformações (figura 2). Logo, cientistas confirmaram que as mães que usaram o medicamento para náuseas, principalmente no início da gestação, tiveram seus filhos nascidos com anomalias. Desta forma, o medicamento enquadrou-se como causador de embriotoxicidade, fato que ocorre quando existe perturbação no desenvolvimento embrionário ou fetal, a custa de dosagens que não afetam o organismo materno.
Figura 2: Capa do jornal Folha de São Paulo - 11/11/1962 |
O efeito colateral mais comum do fármaco é a deformidade que causa nos membros superiores e inferiores do feto (figura 3 e 4). Em alguns casos, houve até ausência de membros.
Figura 3: Criança com más deformações devido a Talidomida. |
Figura 4: Más deformações em membros inferiores devido a Talidomida. |
Mas como a Talidomida conseguiu causar efeitos teratogênicos tão graves?
O medicamento era composto pela combinação de isômeros, um era terapêutico e outro teratogênico, porém, em relação a este último, a indústria farmacêutica não tinha o conhecimento do seu efeito.
O isômero R-talidomida possui efeitos terapêuticos atuando no sistema nervoso central assemelhando-se as substâncias que inibem GABA, já o isômero S-talidomida apresenta efeitos teratogênicos porque intercala o DNA em razão de sua forma molecular se assemelhar com as bases nitrogenadas Adenina e Guanina (figura 5). Quando em solução, tem a capacidade de se ligar a Guanina, causando uma mutação congênita devido a alteração do DNA, que modificará a estrutura do cromossomo e assim acarretará na deformação celular do feto fazendo que o mesmo venha ao mundo com encurtamento ou ausência dos membros superiores e inferiores, problemas no sistema nervoso central e em casos mais graves, o aborto.
Figura 5: Bases nitrogenadas |
Na década de 1960, o fármaco parou de ser produzido e comercializado devido ao problema que gerou em várias famílias (figura 6). Estima-se que 12.000 crianças no mundo inteiro nasceram com deformações devido ao uso do medicamento.
Figura 6: Caixa do fármaco distribuído pelo SUS contendo aviso sobre os efeitos colaterais. |
No Brasil, a talidomida parou de ser vendida na mesma época em que os outros países pararam a comercialização, porém, retornou ao país em 1965, mas com uso restrito e controlado pelo Estado.
Atualmente, o único laboratório autorizado a produzir o fármaco é a Fundação Ezequiel Dias além de ser estritamente distribuído pelo SUS e ser destinado apenas para pacientes diagnosticados com hanseníase. Quando a paciente é do sexo feminino, ao usar este fármaco, ela é obrigada a fazer exames de rotina com muito mais frequência, sendo que o principal deles é o teste de gravidez.
Referência/fonte
ARAUJO, R.C. Estudo toxicológico das drogas. Correlação clinicopatologia. In: SILVA, P. Farmacologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. Cap.20, p.131-50.
TALIDOMIDA – ISOMERIA. 2013. 1 vídeo (6:13 seg.). Publicado pelo canal qnint. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2oLfAiBEIhY.
LEMONICA, Ione P. Toxicologia da Reprodução. In: OGA, Seizi; CAMARGO, Márcia M. A; BATISTUZZO, José A. O. Fundamentos de Toxicologia. ed. 3. São Paulo: Atheneu, 2008. cap. 1.8, p. 100-107.
MOORE, Keith L; PERSAUD, T.V.N; TORCHIA, Mark G. Defeitos Congênitos Humanos. In: . Embriologia Clínica. ed. 10. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. cap. 20, p. 457-484.
ROGERS, Jhon M; KAVLOCK, Robert J. Toxicologia do Desenvolvimento. In: KLAASSEN, Curtis D; WATKINS III, Jhon B. Fundamentos em Toxicologia de Casarett e Doul. ed. 2. Porto Alegre: Artmed, 2012. cap. 10, p. 137-147.
RODRIGUES, H. G. et al. Efeito embriotóxico, teratogênico e abortivo de plantas medicinais. Botucatu. Revista Brasileira de Plantas Medicinais. v.13; n. 3; 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-05722011000300016.
TALIDOMIDA continua a causar defeitos físicos em bebês no Brasil. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/talidomida-continua-a-causar-defeitos-fisicos-em-bebes-no-brasil.html.
HARDY, E. et al. Características atuais associadas à história de aborto provocado. Revista Saúde Pública, v.28, n.1, p.82-5, 1994.
HALL, John E. Gravidez e Lactação. In: . Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica. ed. 13. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. cap. 83, p. 1057-1061.
0 comments