MICROBIOLOGIA E OS MEIOS DE CULTURA

Por Lumar Lucena - agosto 16, 2020


A Microbiologia é uma área que compreende o estudo de diversos microrganismos. Entre eles, bactérias e fungos são isolados em meios de cultura visando a sua identificação e posterior avaliação do perfil da susceptibilidade antimicrobiana. Os meios de cultura são composições em formas sólidas, semi-sólidas e líquidas feitas em laboratório e que tem como objetivo fornecer nutrientes para o crescimento de microrganismos in vitro. Entre esses nutrientes estão fontes de carbono, carboidratos, vitaminas, sais minerais, nitrogênio, aminoácidos, entre outros. O meio sólido é empregado para o isolamento de colônias puras, já no meio líquido é possível observar a turvação do meio, enquanto no meio semi-sólido é observado a mobilidade bacteriana.


Levando em consideração a variedade de bactérias e fungos existentes, se faz necessário a utilização de variados meios de cultura que correspondam com a exigência nutricional de cada patógeno a ser isolado. Portanto, os meios de cultura são produzidos com extremo cuidado, onde a sua produção requer controle de temperatura ideal, esterilidade, umidade, cálculos entre outros fatores que vão garantir o crescimento ideal do respectivo organismo.


Atualmente, existem diversos tipos de meios de cultura e a sua escolha vai depender do patógeno a ser estudado. Sendo assim, os meios de cultura podem ser classificados em meios nutritivos, meios cromogênicos, meios seletivos, meios enriquecidos, meios diferenciais, meios de transporte, meios para triagem e meios de pré-enriquecimento.


Vamos conhecer um pouco sobre cada um desses meios e entender a sua importância e uso para o isolamento de microrganismos.

 

MEIOS DE TRANSPORTE E CONSERVAÇÃO

São meios que não apresentam nutrientes, mas a sua composição química favorece o controle do pH evitando a desidratação de secreções durante o transporte, além de prevenir a autodestruição dos patógenos por oxidação e processos enzimáticos. Esses meios de cultura mantem os microrganismos viáveis para o semeio até que a amostra chegue ao laboratório. Exemplos: Meios de Stuart, Meio de Cary Blair e Agar Nutriente.


O meio de Stuart é bastante utilizado na rotina laboratório de microbiologia. Sendo fundamental na coleta e no transporte, a fim de garantir que o microrganismo presente na amostra biológica esteja viável e em condições favoráveis para o seu isolamento in vitro. Além disso, é um meio que previne consideravelmente a multiplicação do patógeno mas fornece nutrientes que garante a sua sobrevivência. Dessa forma, este meio é usado para o transporte e conservação de diversos microrganismos patogênicos. Recomenda-se manter em temperatura ambiente após a coleta do material a ser analisado.


O meio de Cary Blair também apresenta a mesma função que o meio de Stuart. No entanto, esse meio é utilizado para o transporte de material fecal e conservação de microrganismos enteropatogênicos, como Salmonella sp. e Shigella sp. Comparado com o meio de Stuart, o meio de Cary Blair apresenta em sua composição uma solução salina balanceada de tampão fosfato inorgânico com omissão do azul de metileno.


O Ágar Nutriente é um meio barato, de composição simples e muito comum em rotinas de laboratórios de Microbiologia. O seu uso é empregado para a conservação de bactérias de diversas fontes, como por exemplo, da água, do leito e de alimentos. É também utilizado como uma segunda opção para manutenção de culturas em temperatura ambiente, quando não há opção do método de crioconservação (congelamento de cepas em freezer a -70ºC)

Ágar Nutriente (com Swab de coleta)

MEIOS DE ENRIQUECIMENTO

Esses meios geralmente são encontrados na forma liquida e tem a finalidade de fornecer nutrientes para proporcionar a multiplicação do microrganismo presente na amostra biológica, facilitando, assim, a sua recuperação ao ser isolado em laboratório. Alguns exemplos são: Caldo Selenito, Caldo Tetrationado, e Caldo BHI (Brain Heart Infusion), Caldo LIM.


O Caldo Selenito tem como função inibir o crescimento de coliformes fecais e outros microrganismos da microbiota intestinal, como os estreptococos. É um meio líquido utilizado para a recuperação de Salmonella sp. e Shigella sp. provenientes de amostras fecais, alimentos e urina. 


Meio Selenito
Caldo Selenito sem crescimento

Um meio similar ao Caldo Selenito é o Caldo Tetrationato, que como o próprio nome sugere apresenta iodo em sua composição, o qual é fundamental para a inibição de da flora intestinal de amostras fecais, como também de bactérias Gram positivo. É um meio utilizado para favorecer o isolamento de espécies de Salmonella.


O Caldo BHI é um meio constituído por elementos do cérebro, coração, peptona e dextrose. Tais constituintes servem de fonte de nitrogênio, carbono, enxofre e vitaminas para os microrganismos, favorecendo o seu crescimento. A fermentação destes ocorre através do uso da dextrose. O caldo BHI é bastante útil e pode ser utilizado para a recuperação de diversos organismos como Gram positivo, Gram negativo, fungos e leveduras.


O Caldo LIM é um meio utilizado para a recuperação de estreptococos, principalmente as espécies do grupo B (Estreptococos agalactiae). Sendo assim, este meio pode ser utilizado para o enriquecimento de microrganismos presentes em amostras vaginais.


Caldo LIM sem crescimento

MEIOS SELETIVOS

Como o próprio nome sugere, são meios específicos para o isolamento de patógenos particulares. Tais meios podem apresentar uma composição química variada (corantes, antibióticos, antifúngicos) que busca favorecer o crescimento de determinadas bactérias e inibir o crescimento de outras organismos. Exemplos: Ágar Manitol Salgado, Ágar Salmonela Shigella, Ágar Sorbitol MacConkey.


Ágar Manitol Salgado - Manitol Salt Agar (MSA) - é um meio seletivo e diferencial que favorece o crescimento de algumas bactérias e inibe o crescimento de outros devido a alta concentração de sais (7,5% de NaCl). A seletividade desse meio é devido a adição de Manitol e Vermelho de fenol à sua composição. Esse meio é utilizado para a identificação de espécies de Estafilococos, onde a espécie S. aureus fermenta o manitol, produzindo uma cor amarela do meio. Diferente do S. epidermidis, que não fermenta o manitol e o meio continua rosa.


Ágar Manitol Salgado com crescimento de S. aureus
Ágar Manitol Salgado com crescimento de S. aureus

Ágar Salmonela-Shigella ou SS, é um meio utilizado para o isolamento e diferenciação entre esses dois tipos de organismos, os quais são encontrados em amostras biológicas de fezes diarréicas, provenientes de infecção alimentar. O grupo Salmonela spp. é conhecido pela produção de gás H2S o que caracteriza a produção de colônias claras, porém com um centro de cor preto. Diferente de espécies de Shigella que apresentam colônias de cor clara apenas.


Ágar Salmonella Shigella com crescimento de Salmonella spp.
Ágar Salmonella Shigella com crescimento de Salmonella spp.

Ágar Sorbitol MacConkey (SMAC) é um meio de cultura utilizado para o isolamento de E. coli O157:H7, um sorotipo de E. coli que causa sérios danos gastrointestinais devido a produção de toxinas. Além disso, é uma bactéria que não fermenta lactose, e por fermentar o Sorbitol o SMAC o meio mais recomendado para o seu isolamento.

MEIO DIFERENCIAL

Esses meios apresentam em sua constituição substâncias que vão diferenciar diversos gêneros e espécies de microrganismos, seja através da mudança de cor do meio, alteração de pH, coloração da colônia entre outros. Exemplos: Ágar EMB, Ágar MacConkey, Ágar Hektoen.


O Ágar MacConkey é um meio de cultura onde é possível observar a fermentação de lactose em  consequência da diminuição do pH, o que torna o meio rosa. Adicionalmente, este meio é bastante utilizado para o isolamento de bactérias Gram negativo, provenientes da ordem Enterobacteriales, as quais são os principais responsáveis causadores de infecções do trato urinário (ITU), sendo, portanto, um meio bastante frequente para isolar organismos de amostras de urina.


Ágar MacConkey com crescimento de Escherichia coli
Adicionar Ágar MacConkey com crescimento de Escherichia coli

O Ágar Eosina Azul de Metileno (EMB) é um meio também empregado no isolamento de bactérias Gram negativo, onde a fermentação da Lactose também é observada através da formação de colônias azul-petróleo para coliformes, verde metálico para espécies de E. coli e colônias transparentes para espécies de Salmonella e Shigella.

O Ágar Hektoen (HE), assim como o Ágar SS, também é um meio que favorece o crescimento de espécies enterogênicas como Salmonella e Shigella. Algumas outras bactérias Gram negativo também podem ser recuperadas neste meio, como Proteus sp., Klebsiella sp., Psudomonas sp. e E. coli. O seu crescimento pode ser observado através do crescimento de colônias de diversas cores, como pretas, amarelo salmão, verde, verde-azulado e colônias acastanhadas. Portanto, o uso deste meio vai depender do objetivo do laboratório.


Ágar Hektoen com crescimento de (HE) Salmonella enterica
Ágar Hektoen com crescimento de (HE) Salmonella enterica

MEIO INDICADOR

São meios geralmente utilizados na identificação bioquímica dos microrganismos. Através da presença de um indicador no meio, e possível identificar a espécie responsável pela respectiva alteração bioquímica. Seja através da produção de gás, alteração ou não de cor do meio, reações de fermentação de carboidratos entre outras. Exemplos: Ágar TSI (Triple Sugar Iron), Ágar Citrato de Simmons, Ágar Base Uréia (Christensen).


Ver identificação de Enterobactérias

O Ágar TSI é um meio de cultura utilizado para avaliação bioquímica e diferenciação entre bacilos Gram negativo. A função principal desse meio é observar a fermentação de carboidratos por alguns organismos fermentadores de Glicose, Lactose e/ou Sacarose. Essa reação química pode ser visualizada através da mudança da cor do indicador de pH de vermelho para amarelo. Esse meio também é usado para observar a produção de CO2 e Sulfeto de Hidrogênio (H2S) por alguns microrganismos, assim como pode ser feita a diferenciação entre espécies de Salmonela e Shigella.

 

Ágar TSI - Lactose - | Glicose + | H2S - | Gás -
Ágar TSI - Lactose - | Glicose + | H2S - | Gás -

O Ágar Citrato de Simmons também é um meio usado como avaliação bioquímica para identificar bactérias que metabolizam o Citrato e o utilizam como sua principal fonte de carbono. É um teste empregado para diferenciar bactérias Gram negativo. Em caso positivo, haverá uma mudança de cor do meio verde para azul, como acontece com a Klebsiella pneumoniae.


O Ágar base uréia é um meio usado para avaliar a capacidade de determinado microrganismo degradar a uréia através da enzima urease. Essa reação resulta na alcalinização do meio, o que o faz mudar para a cor rosa. Este meio é utilizado como prova bioquímica para identificação de algumas espécies bacterianas.


Ágar base uréia apresentando urease positiva
Ágar base uréia apresentando urease positiva


MEIOS ESPECÍFICOS

Tais meios são utilizados para o isolamento de organismos específicos. São meios que apresentam uma concentração de nutrientes especificas para o crescimento de um determinado tipo de patógeno, sendo assim, não permitem o isolamento de outros microrganismos. Exemplos: Ágar Sabouraud dextrose, Ágar Lowenstein Jensen, Ágar Loeffler entre outros.


O Ágar Sabouraud é um meio de cultura voltado para o isolamento de fungos tanto leveduriformes como filamentosos. A sua composição química contém dextrose como fonte de carboidrato, o qual será utilizado no metabolismo daqueles microrganismos e favorecerá o seu crescimento in vitro. 


Aspergillus niger
Ágar Sabouraud com crescimento de Aspergillus niger - cortesia de José Neto (microbiologista) @rotinamicrobiana

O meio Lowenstein Jensen (LJ) apresenta em sua constituição ovos integrais, fécula de batata, glicerol entre outros e é usado para o isolamento primário de micobactérias. Ademais, este meio permite a realização do teste de niacina, o qual é positivo para  a espécie Mycobacterium tuberculosis.

Ágar Lowenstein Jensen com  crescimento de Mycobacterium tuberculosis - cortesia de Pedro Afonso

O Ágar Loeffler é empregado no isolamento de espécies de Corynebacteium diphtheriae. Além disso, este meio é constituído por soro de cavalo, o qual é usado na determinação da atividade proteolítica e produção de pigmentos por alguns microrganismos.


MEIOS CROMOGÊNICOS

Os meios cromogênicos podem ser classificados como meios de cultura seletivos/diferencial. Esses meios apresentam composições químicas que auxiliam na identificação preliminar da espécie bacteriana de forma mais rápida, seja através da alteração da morfologia da colônia isolada ou da inibição de um organismo específico. Apesar de ser um meio de cultura com um custo maior, tais meios apresentam como vantagens a diminuição da necessidade de provas bioquímicas, e o  ganho de tempo, uma vez que proporciona a liberação de resultados preliminares mais rápidos. Exemplos: ChromID VRE, ChromID MRSA, ChromID Strep B, ChromID Candida, ChromID C. diff entre outros.


ChromID Candida com crescimento de Candida albicans

MEIOS COMERCIAIS

Os meios comerciais são meios comumente empregados na rotina de microbiologia para o isolamento primário de bactérias e fungos. Tais meios favorecem o crescimento de diversas espécies de microrganismos pois é um meio rico em nutrientes. Exemplos: Ágar Sangue e Ágar chocolate.


O meio Ágar Sangue é um meio de cultura bastante empregado para o isolamento de microrganismos de diversas amostras biológicas, podendo aqueles ser Gram positivo ou Gram negativo. É um meio que favorece a visualização de hemólise que é causada por algumas bactérias, podendo, dessa forma, diferenciar espécies de Staphylococcus sp. e Streptococcus sp. Os microrganismos que crescem nesse meio podem apresentar uma hemólise do tipo alfa, beta e gama. 


Ágar Sangue com crescimento de Proteus mirabilis
Ágar Sangue com crescimento de Proteus mirabilis

Alfa-hemólise ou hemólise parcial, é caracterizada pela perda parcial de hemoglobina pelas hemácias, formando uma zona cinzenta ou esverdeada em volta da colônia. Exemplos: Streptococcus pneumoniae e Streptococcus do grupo viridans.


Ágar Sangue com Alfa-hemólise
Ágar Sangue com Alfa-hemólise

Beta-hemólise ou hemólise completa das hemácias, é caracterizada pela formação de uma zona transparente em volta da colônia. Exemplos: Streptococcus pyogenes e Staphylococcus aureus.


Ágar Sangue com Beta-hemólise
Ágar Sangue com Beta-hemólise

Gama-hemólise ou ausência de hemólise, não causa modificação no meio. Exemplos: Enterococcus faecalis e Staphylococcus epidermidis.


Ágar Sangue com Gama-hemólise
Ágar Sangue com Gama-hemólise

O meio Ágar Chocolate é empregado na recuperação de vários tipos de microrganismos incluindo os fastidiosos, ou seja, espécies bacterianas que são exigentes em relação a composição química do meio, e muitas vezes demoram a crescer. O que faz desse meio ideal para o crescimento de bactérias fastidiosas é a presença de hemina e hematina, os quais são compostos derivados da lise de sangue de cavalo, carneiro ou coelho. Entre os patógenos mais comuns isolados neste meio estão a Neisseria spp., Haemophilus spp., Moraxella spp., entre outros.


Ágar Chocolate com crescimento de Haemophilus influenzae

1. Ágar Hektoen - Organismos fermentadores da microbiota intestinal
2. Ágar Chocolate - Streptococcus mutans
3. Organismos fermentadores e não fermentadores da microbiota intestinal
4. Ágar Sangue - Streptococcus pyogenes
5. Ágar Hektoen - Salmonella enterica
6. Ágar Sangue - Staphylococcus epidermidis
7. Ágar Chocolate - Staphylococcus epidermidis
8. Ágar MacConkey - Klebsiella oxytoca
9. Ágar Sangue - Enterococcus faecalis
10. Ágar Chocolate - Micrococcus luteis
11. Ágar MacConkey - Pseudomonas aeruginosa
12. Ágar MacConkey - Klebsiella pneumoniae


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Referência/Fontes

Microbiologia Clínica para o Controle de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Módulo 5: Tecnologias em Serviços de Saúde: descrição dos meios de cultura empregados nos exames microbiológicos/Agência Nacional de Vigilância Sanitária.– Brasília: Anvisa, 2013.


Riedel, S; Morse, S.A; Mietzner, T; Miller, S. Medical Microbiology, 28th Ed., Lange, 2019.


Konemen, E.W. Trad. Cury, A.E. Diagnóstico microbiológico: texto e atlas colorido. 5a. Ed., MEDSI, Rio de Janeiro, 2001.


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